domingo, 27 de outubro de 2013

Conto: Chance Única

Gêneros: Ação, Romance, Humor.

Sinopse: A ameaça zumbi já faz parte da vida das pessoas, incluída na rotina do dia-a-dia. Marlon vive sua vida calmamente em meio às suas rondas de vigilância e ao som do Rock ‘n’ Roll... até algo interromper a sua pacata rotina...

Nota: Este é meu conto zumbi (risos). Eu sei que zumbi virou modinha, e eu só me deixei escrever esta história porque a primeira ideia foi para um tipo de paródia. Depois que comecei a escrever, vi que começou a ter um pouco de romance e de ação, e ficar um pouco mais séria, mas sem deixar de ter um tom de humor lá no fundo. Preciso dizer que não entendo nada de mulheres e que não faço a menor ideia do que elas querem em um relacionamento, o que eu escrevi é puramente ficção, não me façam perguntas a esse respeito xD Os acontecimentos se passam em uma cidade fictícia, que aparentemente não ficaria no Brasil, por um motivo que vocês vão entender xD  Algumas repetições de palavras foram intencionais para o ritmo e estilo do texto, que é um tanto mais leve, mais solto.

Chance Única

Por Claudia Mina

Marlon escutava uma música diferente naquele dia, uma canção de melodia romântica, daqueles cantores que têm aquelas vozes bonitas de dar inveja, um estilo diferente do bom e velho rock ‘n’ roll ou do metal que costumava escutar a caminho do seu "emprego". Era uma tarde ensolarada e calma. Marlon sorriu ao ver os raios de sol enquanto escutava o cantor apaixonado – o que o fez lembrar que deveria passar em um lugar especial antes de se dedicar ao seu serviço: a loja de armas.

Marlon desceu do seu jipe e foi caminhando em direção à construção que um dia fora imponente, mas que havia se transformado num tedioso local de paredes desbotadas e cansadas. Logo ao abrir a porta, um irritante ranger de dobradiças deu as boas-vindas ao novo visitante.

- Alguém precisa passar um óleo nisso - Marlon pensou em voz alta e se surpreendeu ao receber uma resposta.

- Isso é uma reclamação?

O olhar de Marlon se voltou para uma jovem que "bonita" seria pouco para defini-la – ela era sensacional. Morena, cabelos castanhos escuros e um leve bronzeado. Corpo perfeito, cheio de curvas nos lugares certos. Usava um jeans colado que era uma loucura, blusinha branca justa e colete preto que maldosamente cobria o decote. Ela era alta, mas estava longe de ser tão alta quanto Marlon, com seus 1,88 m. Seus olhos eram grandes e de um castanho claro – quando o sol os iluminava, brilhavam num dourado escuro. Eles estavam brilhando daquele jeito naquela tarde, com o sol que espreitava pela janela; Marlon estava olhando para eles e eles olhavam de volta com um olhar de deboche, daqueles que mulheres bonitas e inalcançáveis dão a qualquer homem que se aproxima, e Sandra era para ele linda e inalcançável.

- Longe de ser uma reclamação, Sandrinha.

Quando a gata escutou o apelido de Sandrinha, seus olhos se comprimiram numa leve careta de desaprovação, mas logo em seguida ela deu de ombros. - O que você quer dessa vez?

- O de sempre - Marlon sorriu bem-humorado. Ele estava sempre alegre e não era uma garota mal-humorada que o faria perder o bom humor, mesmo porque era uma garota mal-humorada bonita e ele achava aquele olhar de poucos amigos um charme.

- O de sempre? - Sandra perguntou com um certo tom confuso, porém suas mãos já se ocupavam de pegar a munição e colocar em cima do balcão.

- É, o de sempre, por que a surpresa?

- É porque você sempre pede o de sempre- Sandra disse com um tom de inocência que fez Marlon rir.

- É que eu peço o de sempre porque eu gosto de pedir o de sempre.

- Mas você sempre vem aqui pedir o de sempre, porque você não compra mais munição de uma só vez e faz um estoque?

Era verdade que Marlon visitava a loja pelo menos duas vezes por semana, até três...

- É que eu gasto muita munição, sabe, o meu trabalho...

Marlon vigiava os limites da cidade para impedir que algum zumbi se aproximasse das grades de proteção que a cercavam. Não era um trabalho oficial, mas a comunidade o havia escolhido para ser o vigilante local. Eles o pagavam para que ele os protegesse de uma possível ameaça. E ele era bom nisso, gostava disso.

- Tem tantos zumbis aqui perto? - Sandra perguntou alarmada. - Eu pensava que eles já não estavam mais na região...

Era verdade que a cidade há muito não ouvia falar de zumbis. Aparentemente, o governo estava combatendo a ameaça zumbi com bastante eficiência no país, isolando as áreas afetadas. Havia sido um caos no inicio da infestação zumbi, a humanidade se via à beira de um colapso. Com o tempo, os homens aprenderam a lidar com a situação, até que os zumbis se tornaram uma praga controlada. Apenas casos esporádicos eram relatados às autoridades e casos de mortes eram muito raros.

- Só um ou outro zumbi por perto - Marlon tentou consertar a situação para não alarmar a moça. - É que às vezes nos saímos dos limites da cidade para caçar alguns grupos.

Sandra arregalou os olhos. - Vocês saem dos limites da cidade?!

- É... para evitar que eles se aproximem demais... - Marlon mentiu.

- Isso é loucura... mas acho que é preciso muita coragem para isso...

- Isso foi um elogio? - disse Marlon esperançoso.

- Não... Não veja isso como elogio, eu só não quero que você fique se arriscando por ai.

- Você tá preocupada comigo?

- É lógico que não - Sandra colocou o que faltava da munição em cima do balcão. -Pronto, já tá tudo aqui.

- Entendi, vou parar de amolar você e trabalhar um pouco. – Marlon pegou a munição e deixou o dinheiro sobre a mesa. – Eu tô indo embora, mas não pense que se livrou de mim – disse ao caminhar em direção à porta.

- Ah... isso eu sei que vai ser difícil...

Marlon sorriu enquanto saía da loja, entrou no carro novamente e seguiu seu caminho. Era realmente um belo dia de sol e tudo parecia alegre e tranquilo naquela cidade.

No caminho, Marlon viu uma velhinha sorridente, sentada alegremente em um banco em sua varanda, agulha e linha para um bordado em suas mãos e uma espingarda como companheira ao seu lado.

Passando por um campinho, havia crianças brincando alegremente, dois meninos e uma menina, todos com suas pistolas, tentando ver quem acertava melhor o alvo. Marlon sorriu ao se recordar da sua infância, quando ele treinava tiro em sua escola. Fazia parte da grade curricular ter aulas de tiro e defesa para um possível ataque zumbi; era a matéria preferida de Marlon. As outras crianças costumavam zombar dele pelo entusiasmo exagerado que ele demostrava em cada aula. Toda a vez que o professor perguntava quem queria começar um treinamento novo, Marlon sempre era o primeiro a se prontificar. Ele não ligava para os risos dos colegas, nem um pouco. Apesar de ele ter sido aquela criança bem maior que as outras, ele nunca se aproveitou de seu tamanho para bater em alguém, ou ameaçar alguém. Apesar de adorar as aulas de artes marciais e competições de luta, Marlon nunca foi de brigar. Sempre foi alegre e sorridente. Nunca havia tempo ruim para ele.

Após alguns minutos de carro pela via ensolarada, Marlon chegou em uma casa no meio de um bairro residencial. Era uma casa branquinha, mais uma entre todas as outras, nada de especial. Ele bateu à porta, mas não escutou resposta alguma, então simplesmente testou a maçaneta e entrou no local; passou pela sala e seguiu o corredor até o quarto, onde encontrou um rapaz dormindo como se não houvesse a menor preocupação com o mundo. Marlon não pensou duas vezes antes de pular em cima da cama e atacar o jovem com um travesseiro.

- É HORA DE ACORDAR! – ele gritava enquanto pulava sobre a cama.

O rapaz recém-acordado levou um susto tão grande que quase caiu no chão, mas se segurou ao colchão no último instante.

- O que você tá fazendo aqui? – Everton perguntou, embora já soubesse a resposta.

- Já passou da hora de fazer a ronda!

- E daí? - Everton esfregou os olhos e afundou o rosto no travesseiro novamente. – Nunca acontece nada – disse com a voz abafada pelo tecido. – Você sabe que não temos ataques há meses...

- E você acha que isso é motivo para baixar a guarda? – Marlon puxou Everton pela camiseta e o fez olhar para ele. Por um momento, Marlon pareceu sério. Olhar para o rosto de Everton trouxe uma lembrança antiga à tona.

Há um tempo, quando Marlon não devia ter mais de 11 ou 12 anos, havia uma menina com aquele mesmo cabelo loiro do Everton e os mesmos olhos verdes. Era a coisa mais bonitinha que Marlon já vira. Ele a observava no parquinho, brincando no balanço ou colhendo florezinhas. Marlon nunca sentiu aquela desavença que alguns meninos sentem pelas meninas em certa época da infância. Ele sempre as achou umas gracinhas e adorava brincar com elas. Marlon gostava especialmente de brincar com aquele anjinho loirinho chamado Melissa. Ela era tímida e Marlon se esforçava ao máximo para fazê-la sorrir. Ele contava várias piadas, inventava várias histórias malucas, só para ouvir aquela risada doce, e se sentia muito vitorioso quando conseguia ganhar um sorriso. Um dia, porém, ele soube que nunca mais poderia escutar aquele riso. Havia acontecido um ataque inesperado no parque, de alguma maneira os zumbis conseguiram atravessar a barreira na mata e alcançado o local. Só houve um caso fatal naquele dia, apenas uma menina que não conseguiu fugir. Aquele foi o único dia em que Marlon faltou ao treinamento na escola, foi o dia do enterro da Melissa.

- Você tá bem, cara? – disse Everton ao ver a mudança na expressão de Marlon. Era realmente muito estranho vê-lo sem um sorriso no rosto, com um olhar baixo e perdido.

- Tô bem sim. – Marlon afastou os pensamentos da cabeça e se levantou da cama, olhando ao redor. Havia vários videogames e jogos espalhados pelo chão do quarto. – Não me diga que passou a noite inteira jogando de novo...

- Ah... passei, e daí?

Marlon sabia que não tinha o que se fazer com pessoas assim – essas pessoas viciadas em videogame. - Vai, se arruma logo, a gente precisa sair daqui.

Everton se levantou da cama e começou a trocar de roupa e pegar suas armas com muita preguiça.

- Aposto que não tá nem malhando.

- Tô sim – Everton bocejou.

- Quando foi a última vez?

- Uns dias aí...

Marlon não entendia como as pessoas tinham tanta preguiça de malhar. Ele sempre acordava cedo, com toda a disposição do mundo e estava lá na academia que montara em casa. Marlon queria estar sempre em forma para vigiar a cidade e protegê-la durante um possível ataque... Talvez ele tenha assistido muitos filmes de super-heróis quando criança e no fundo queria ser um... Talvez ele apenas queria poder salvar alguém.

Quando Everton ficou pronto, os dois saíram e entraram no carro de Marlon. Eles atravessaram a cidade e pegaram a estrada que a circulava, beirando os limites dela. Naquele momento era de tarde, e o sol queimava com uma intensidade quase cruel. Pelo menos o vento era agradável e trazia um alivio momentâneo quando soprava sobre eles. A música era alta, de um rock antigo e bom, e Marlon não se atreveu a atrapalhar a guitarra contando mais uma de suas piadas. Ele simplesmente estava contente em deixar o som rolar. Everton estava quieto enquanto olhava a paisagem quase desértica ao seu lado; ele sempre fora um rapaz muito quieto. Marlon tinha a impressão de que eles sempre estudaram na mesma escola, mas nunca chegou a reparar nele, de tão quieto que ele era. Everton era aquela criança que ficava num canto e nunca falava com os outros. Marlon apenas o reconhecia algumas vezes andando por algum corredor porque sabia que aquele era o irmão da Melissa. A primeira vez que o viu foi no velório da irmã, ele era pequeno e estava quieto, não olhava ninguém. Talvez fosse muito novo para entender. Talvez entendesse bem demais. Certo dia Marlon resolveu passar mais tempo nos campos de treinamento da escola e viu aquele menino quieto treinando tiro. Marlon viu Everton acertar o alvo todas as vezes. Quando se aproximou e perguntou o que ele fazia para ser tão bom, Everton simplesmente respondeu que aprendeu com videogames. Quando Marlon começou seu trabalho de caçador de zumbis, chamou Everton para ser seu parceiro; na época, há cinco anos, aquele rapaz tímido, que mal havia saído da adolescência, já era o melhor atirador da cidade.

Eles fizeram a ronda pela região, como de costume, e pararam em alguns check points para ter uma visão mais ampla das áreas que cercavam a cidade. Os dois viram que estava tudo tranquilo, como sempre, as grades e muros que cercavam os limites da cidade estavam intactos, não havia nenhum sinal que perturbasse a paz daquelas planícies. Já era começo de noite quando resolveram dar uma parada num local onde o céu parecia de uma imensidão sem fim. Deixaram o jipe na estrada e caminharam até um local no meio da planície, sentaram-se na terra seca da região semiárida e puseram-se a admirar os montes ao longe e o mar celeste de estrelas sobre suas cabeças. Latas de cerveja foram abertas e a conversa começou. Aquela antiga conversa de sempre...

- Nada com a Nicole ainda? – Marlon perguntou após uns goles de cerveja.

Everton permaneceu em silêncio por um tempo, tomou um gole da bebida, pensou um pouco, e só depois respondeu. – Eu ainda tô esperando a hora certa.

- Que isso de hora certa? Você já tá esperando há um ano... ou mais? Acho que mais...

- A Nicole é uma garota delicada, não é para ir chegando de qualquer jeito...

- Não, não precisa ser de qualquer jeito. Você pode ir lá, na boa, puxar um papo, daí você vai chegando mais perto, deixando ela mais à vontade. Você diz que gostou dela e pergunta se tem chance.

- Não! Vai que ela fala que não! – disse Everton alarmado.

- Ah... É uma possibilidade, você precisa ser homem e encarar.

- Mas eu não quero que ela diga não!

- Mas se você nunca disser nada, nunca vai ter chance.

- Eu sei, mas... como eu disse, eu tô esperando o momento certo.

- Everton, você tá é com medo, mulher não gosta de homem covarde. Mulher gosta de homem com atitude. Eu nunca tive medo de falar com uma mulher. Eu posso levar um fora, mas eu não fico sem tentar. Às vezes você ganha, às vezes você perde, é a vida. É só ficar tranquilo, ser legal, ter bom humor, não precisa ter medo.

- Mas você tem medo da Sandra...

Marlon se lembrou da moça da loja de munição... – É... eu tenho medo dela... – O jovem riu. – Eu tenho medo da Sandra. Nunca vi mulher como aquela... Parece aquele tipo de mulher inalcançável... Incrível demais para ser verdade.

- Viu? Até você tem medo.

- Mas eu vou tentar um dia, eu não vou desistir.

- Duvido você tentar na próxima vez que você for ver a Sandra.

- Você tá querendo me desafiar? Tá querendo fazer uma aposta?

- Tô dizendo que você não tem toda essa coragem – Everton sorriu de maneira jocosa.

- Não tenho, é? Vamos fazer o seguinte, assim que eu voltar, vou falar com a Sandra, mas você vai falar com a Nicole também.

Everton sentiu um certo tremor de apreensão percorrer seu corpo, mas decidiu aceitar o desafio. – Tá certo.

- Eu não ouvi direito! – Marlon gritou e sua voz se espalhou pelo ar da planície.

- Eu vou falar com a Nicole! – Everton também gritou.

Marlon deu risada – Agora eu senti firmeza!

Everton também riu e o ar da conversa se tornou muito mais leve. A noite estava clara, bonita e agradável e eles haviam acabado de terminar a primeira cerveja. Marlon pegou mais duas latas da caixa térmica e estendeu a mão para oferecer uma delas para Everton, mas o rapaz parecia não estar prestando atenção.

- O que é aquilo? – Everton disse com o olhar fixo no horizonte.

- Aquilo o quê? – Marlon olhou para o horizonte e por um momento só viu os montes ao longe.

- Parece que tem alguma coisa se mexendo... – Everton forçou a visão.

- Eu não tô vendo nada...

Everton se levantou repentinamente e pegou seu rifle numa rapidez impressionante. Um segundo mais tarde, o som de um tiro cruzou as planícies num estampido cortante.

- Que isso, Everton, tá querendo me assustar? – Marlon ainda não estava entendendo o que estava acontecendo, mas seus instintos o fizeram levantar, pegar a metralhadora e apontar a arma para a mesma direção que Everton apontava a sua. Marlon olhou para o amigo e viu uma expressão extremamente séria no rosto do rapaz, mais um tiro foi disparado. – O que está acontecendo? – Marlon perguntou num suspiro.

Everton não respondeu, parecia estar sob o efeito de alguma magia. Foi quando Marlon reparou em algo que se mexia à distância, algo com braços e pernas humanos, mas que ele tinha certeza que não era mais humano. – Não pode ser...  – Marlon viu Everton acertar o zumbi que ele vira e depois um outro que surgiu. Depois disso, não parecia ter mais nenhum zumbi à vista, mas o instinto de alerta ainda reinava com força e eles esperaram um pouco mais... até perceberem que mais zumbis apareceram. Everton começou a atirar sem parar, e cada tiro era certeiro, derrubando os zumbis no ato.

Por um momento, a situação pareceu sob controle, mas uma quantidade maior de zumbis surgiu e alguns começaram a escalar as grades de proteção. Marlon e Everton estavam longe da cidade, em uma região não tão bem guardada. Em dado momento, apenas a distância era o que os separava de um contato direto com os zumbis, distância que se encurtava à medida que a horda de zumbis crescia. Everton se concentrava em atirar nos zumbis mais distantes com seu rifle e Marlon atirava nos que escapavam da mira de Everton com sua metralhadora. A dupla parecia trabalhar em plena sintonia e a situação mais uma vez parecia controlada, até que um grito de Everton foi ouvido:

- Do outro lado!

Marlon viu que um novo grupo de zumbis estava vindo de outra direção, na sua direção, e se virou para metralhá-los.

- Marlon! – Everton gritou em desespero.

No momento em que Marlon escutou seu nome, sentiu braços frios e pegajosos o segurarem por trás. Marlon sentiu a força descomunal e lutou para se soltar, até conseguir girar o corpo e derrubar o zumbi com um golpe marcial. Logo que pôde, Marlon atirou na cabeça do zumbi que estava no chão, livrando-se daquela ameaça, e logo em seguida voltou a atenção para os outros. Naquele momento, Everton já tinha trocado o rifle pela metralhadora e atirava nos zumbis que mais e mais se aproximavam e já os cercavam.
De repente, Marlon se viu sem munição e se lembrou de que havia deixado o que comprara no jipe... que estava encostado na estrada, a uma distância que naquele momento parecia longe demais. Ele sabia que Everton logo estaria sem munição também, eles não estavam preparados para um ataque daquela magnitude... o veículo parecia ser a única saída.

- Para o jipe! – Marlon gritou e tentou abrir caminho por entre a horda de zumbis. Everton tentou segui-lo, mas os zumbis o cercaram.

- Everton! – Marlon gritou ao ver o amigo sumir em meio aos zumbis...  Desespero passou pela sua mente por um momento, mas ele não demorou a partir para cima dos inimigos no corpo a corpo, a vida de Everton dependia dele. Marlon pegou um zumbi pelo pescoço, derrubando-o no chão. Ele retirou uma adaga do cinto, antes, apenas uma lembrança de seu pai; naquele momento, sua única salvação. Ele cravou a adaga na cabeça do zumbi no chão e logo se levantou para cortar o pescoço de outro. Golpeou um deles com o cotovelo esquerdo, aturdindo-o, e logo em seguida, cravou a adaga na cabeça de outro com a mão direita, para então fincar a adaga no zumbi aturdido. O ar estava pesado com o cheiro de carne decomposta e morte. Em meio ao desespero e sangue, Marlon lutou como nunca havia lutado, nunca estivera tão perto de perder a vida. Num esforço que beirava a insanidade, Marlon se viu derrubando zumbi após zumbi apenas com a sua força física e a adaga de seu pai, até não sobrar nenhum para atacá-lo. Marlon mal podia acreditar no que tinha acontecido, mas não tinha tempo a perder.

Em meio aos corpos caídos no chão, ele levou um tempo para retirá-los do caminho e localizar Everton. O rapaz mais jovem estava coberto de sangue, da cabeça aos pés, com um olhar assustado.

- A gente quase morreu, né? – Everton disse após um longo silêncio.

- É, a gente quase morreu – foi a única coisa que Marlon conseguiu responder.

Naquela noite bonita e agradável, a maioria dos jovens estava no bar mais famoso da cidade. As luzes estavam todas acesas e coloridas e o ar estava cheio de risos e conversas leves. De repente, as portas se abriram e todos os olhares se voltaram para a dupla que havia entrado no recinto. Os dois jovens estavam cobertos de sangue da cabeça aos pés e seus olhares pareciam perdidos em uma cena de horror.

Ao ver aquilo, uma das moças correu na direção deles e parou na frente de Everton.

- Minha nossa, o que aconteceu com você? – disse a voz fina de uma loirinha de cabelos lisos e perfeitamente escovados.

- Um ataque zumbi – Everton respondeu, ainda com o olhar perdido.

- Coitadinho... – A moça analisou o estado alarmante em que Everton se encontrava, todo vermelho de sangue. Seus grandes olhos azuis se enchiam de pena por trás dos óculos de lentes grossas. Nicole era uma moça sensível, delicada e de bom coração, que parecia bem mais nova pela sua voz fina, porém, seu corpo cheio de curvas não escondia que ela já não era mais uma menina. Embora suas roupas fossem sempre muito discretas e comportadas, todos conseguiam ver que ela tinha um corpo muito bonito e bem formado de mulher.

Num momento repentino, Everton pareceu voltar a si e olhou nos olhos azuis de Nicole, antes de baixar sua cabeça para beijá-la. Seus braços a envolveram e ele a levantou, puxando seu corpo para mais perto de si.

Uma porção de vozes ecoaram pelo ar, algumas em tom de choque, outras de repulsa e outras de empolgação. Não havia uma pessoa no bar que não estivesse assistindo à cena como se fosse algo surreal, algo saído de um filme.

Quando o beijo terminou, Nicole olhou para Everton assustada, seus óculos estavam fora do lugar e sua boca coberta de sangue.

- Nicole, quer namorar comigo?

A moça arregalou os olhos, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Havia um jovem, aparentemente fora de si, coberto de sangue de zumbis, pedindo ela em namoro e surpreendendo a si mesma, ela disse – Sim.

O bar inteiro se encheu de palmas e gritos, o balcão e as mesas tremiam com a empolgação das pessoas com a inesperada situação.

Nicole tirou um lencinho branco e perfumado do bolso e enxugou o rosto de Everton, tirando uma fina camada de sangue da região de seus olhos. – Deixa eu limpar você.

Everton assentiu e passou o braço por trás da cintura dela, sumindo de vista com ela pelo bar.

Marlon assistiu à cena impressionado. Como uma situação de vida ou morte podia mudar a atitude de um homem...

- Vai ficar aí em pé a noite inteira?

Marlon se deu conta de que havia alguém falando com ele. Sentada ao balcão central, estava Sandra, linda como sempre, com um olhar de desafio.

Por um momento, Marlon sentiu dificuldade de respirar e seu coração tremeu em seu peito. – Sandra... – foi a única coisa que conseguiu dizer por um tempo, até conseguir respirar fundo e tomar coragem. – Posso pagar uma bebida para você?

Sandra deu risada e Marlon sentiu uma pontada de dor em seu peito. – Achou engraçado?

- É que você está meio sujo de sangue...

- É, eu tô, mas pode ser minha única chance, por que não tentar?

Sandra riu novamente, uma risada que era tão difícil de tirar daquela moça sempre tão séria, um riso cheio e sonoro. – É, por que não?

FIM

Nota: Comentem, por favor.

sábado, 12 de outubro de 2013

Meu segundo conto - Coragem

Sinopse: Um cavaleiro que ao retornar da guerra descobre que ainda pode conhecer outros significados para a vida e outras definições para coragem num encontro com um camponês.

Temas: Aventura, Drama, Fantasia.

Notas: Este é o conto que mais se assemelha ao estilo do meu futuro livro, seria o conto número 1, porque a primeira ideia que eu tive para um conto foi esta. No entanto, eu acabei publicando uma ideia posterior antes simplesmente por ter sido finalizada primeiro. A princípio, eu me surpreendi com a ideia; eu sempre tive uma forte influencia modernista, então eu não sabia de onde uma história sobre lobisomens havia surgido (sim, este é um conto sobre lobisomens também).  Embora seja um tema bastante abordado nos últimos tempos, eu sempre fui um tanto relutante ao universo fantástico. Eu sempre fui bastante de descrever cenas do cotidiano, mas eu sei que no fundo ainda tenho influencias do tempo de adolescente e, na época, um dos meus gêneros literários favoritos era o romantismo... Aquele ultrarromantismo... Eu também me lembrei de que na época que eu tive a ideia eu estava jogando Castlevania: Lords of Shadow e os vídeo-games são realmente uma grande influência para mim xD

Coragem

Por Claudia Mina

Descia a colina a passos largos e apressados, aquele homem que não passava despercebido em  nenhum lugar que fosse. Seu porte e fisionomia eram distintos demais para que ninguém o notasse: era forte e alto—mais alto que a maioria dos homens—, tinha ombros largos e pernas compridas, seu rosto era de feições bem feitas e harmônicas—que lhe davam um ar de nobreza—, seu corpo bem formado estava coberto por uma espessa armadura negra que chamava a atenção por ser notavelmente bem trabalhada e custara certamente mais do que muitos camponeses jamais ganhariam em toda a sua vida de trabalho. Aquele certamente não era um homem comum, e certamente não era um nobre comum. Andava com um porte e altivez que um cavaleiro comum jamais teria; ele se assemelhava mais a um herói lendário, cuja aura exalava uma temida grandiosidade. Quem o visse naquele momento, andando com a força de um relâmpago cortando os céus, teria medo, muito medo. Sua expressão estava fechada e seus passos pareciam fazer o chão tremer.

Chovia torrencialmente naquele final de tarde cinzento, chovia como se os céus estivessem desabando, chovia como nunca antes se vira. Os estrondosos trovões faziam o horizonte tremer, como se o mundo estivesse se contorcendo e partindo num mortal acesso de cólera.

Parecia não haver alguém que ousasse sair em um tempo como aqueles... com exceção de Áquila,  enfrentando a mais cruel tempestade em sua armadura negra, coberto apenas por sua capa que parecia mais negra do que a mais escura treva. Áquila não parecia temer, não parecia ter frio, não parecia se importar com o clima infeliz a sua volta. Ele continuou andando e lutando contra a pesada chuva que caía sobre seus ombros, decidido a perseguir o seu intento, o forte motivo pelo qual cruzava aquelas colinas. Caminhava com os olhar fixo a sua frente, como se nada pudesse fazê-lo parar. No entanto, de maneira repentina, Áquila se virou para trás, havia alguém que o seguia.

Encolhido e tremendo de frio, um homem tentava acompanhar o cavaleiro. Seu rosto mal podia ser visto por baixo do capuz que usava para tentar se proteger minimamente daquela chuva e seu corpo se escondia embaixo de um farrapo surrado que era a única vestimenta que possuía. Era apenas um jovem de um vilarejo de camponeses. Em contraste com o Áquila, seu corpo era pequeno e magro e ele caminhava encurvado, com os braços cruzados à frente do seu peito para tentar se proteger do frio. A chuva parecia ter encolhido ainda mais o seu corpo e ele tremia como um animal assustado. No entanto, mesmo naquele estado frágil e deprimente, aquele pobre camponês demonstrava bravura ao tentar seguir o cavaleiro naquele tempo cruel.

- Eu disse para não me seguir – disse Áquila com sua voz firme e forte de comando.

Por um momento, pareceu que Renê, o camponês, não teria coragem de responder, mas lentamente seus olhos se revelaram por debaixo do capuz quando ele levantou a cabeça para responder. – Eu vou com você – disse Renê decidido.

Eles haviam se encontrado pela primeira vez na manhã daquele mesmo dia. Áquila avistara o vilarejo em sua caminhada de volta para casa. Ele estava cansado e seu espírito não parecia ter mais vida. Áquila era mais um cadáver que andava do que um homem naquele momento. Apesar de gozar de boa saúde, sua força de viver o deixara. Ele voltava da guerra—um dos sobreviventes de uma campanha desastrada contra o reino vizinho. Antes de partir, ele era um jovem cavaleiro promissor, ele sentia como se tivesse o mundo em suas mãos; era um dos filhos de um dos nobres mais ricos e poderosos do reino, ele possuía dinheiro e terras, a única coisa lhe faltava era uma vitória em guerra. Desde pequeno ele havia sido treinado para o combate e ele sempre venceu todos os oponentes que enfrentou. Áquila sabia que havia nascido para a luta, sempre foi forte e nunca temia. Ele pensou que voltaria da guerra como um herói, e suas primeiras batalhas foram vitoriosas; no entanto, Áquila percebeu que por mais que tivesse talento e tivesse habilidades inigualáveis, ele não conseguiria ganhar uma guerra sozinho. Uma sucessão de erros de estratégia desastrosos levou seu reino a uma vergonhosa derrota, e não havia nada que ele sozinho pudesse fazer para reverter a situação. Em seu retorno à terra natal, ele não era nada daquilo que um dia idealizou. Áquila ainda era um nobre rico, porém, seu reino estava em ruínas. Uma grande quantia foi investida para financiar o custo da guerra e sem a vitória e a riqueza que seria trazida com ela, a economia entraria em declínio. Haveria também disputa pelo poder; Áquila foi um dos que presenciaram a morte de seu rei, sua cabeça destroçada por um terrível golpe de machado. Não demoraria muito para que os nobres começassem a brigar entre si pelo trono.
Áquila sentia como se não fosse ninguém, sentia como se nada valesse a pena na vida, um cavaleiro derrotado de um reino derrotado. Foi assim que ele entrou no vilarejo, sem nenhuma pretensão, sem nenhum sonho, apenas guiado pela noção de que precisaria ir a algum lugar. Quando adentrou as ruelas do pobre vilarejo, porém, notou algo diferente. Não havia ninguém à vista. Todas as portas e janelas estavam fechadas. Ele continuou andando, intrigado, sem notar sinal algum de vida por muito tempo... até ouvir algumas vozes sussurradas...

- Vá embora!

- Saia daqui!

Ele percebeu que as vozes vinham de dentro de algumas casas. A principio, achou aquilo curioso, porém, não demorou muito para que ele notasse que algo de muito errado se passava por lá. Em dado momento, ele escutou um grito, um grito agudo e estridente, um grito de congelar a alma. Rapidamente, Áquila correu na direção da qual veio o grito e qual não foi a sua surpresa ao ver algo pior do que seus mais terríveis pesadelos. Era um animal gigante, com pelos compridos e grossos sobre um corpo coberto de músculos. Era grande como um urso, mas o formato da cabeça e do corpo se assemelhava ao de um lobo e o jeito com que ficava em pé sobre as duas patas traseiras o fazia parecer... com um ser humano, os olhos porém pareciam de um demônio, negros como a mais profunda noite, como duas orbes de trevas sem fim.

A criatura havia atacado uma jovem que estava deitada no chão—seus olhos estava abertos e ela estava viva, porém imóvel. O trauma daquele ataque havia deixado a jovem em estado de choque, seus olhos congelados em uma expressão do mais puro medo.

Áquila ficou aliviado de pelo menos saber que a moça estava viva, mas estava claro que a situação poderia mudar a qualquer momento. A criatura estava entre ele e a camponesa e a única maneira de salvá-la era enfrentar aquele demônio em forma de animal.

Com um uivo diabólico que ecoou pelos ares, a besta sinalizou sua sentença de morte para aquele homem que o havia interrompido. Áquila apenas teve tempo de desembainhar sua grande espada antes de sentir o primeiro ataque quase atingi-lo. As garras do animal rasgara o ar a poucos centímetros de distancia do rosto de Áquila, que por pouco não se viu desfigurado. Apesar do corpo grande e pesado, o animal era ágil e atacava com uma rapidez impressionante. Áquila também era ágil, mas mal tinha tempo de escapar dos golpes. Ele não estava conseguindo contra-atacar e a situação parecia mais crítica a cada segundo. Áquila esperava por um momento de distração da besta, uma oportunidade para atacar, mas o momento parecia não chegar nunca. Áquila tinha uma grande resistência física, mas ele não sabia por quanto tempo mais ele poderia aguentar aquele tipo de luta. Ele sabia que por mais que fosse forte, ele era apenas um homem, e o oponente com quem lutava possuía uma força descomunal, algo que não vinha da natureza e sim de algum tipo de energia demoníaca. Finalmente, o cavaleiro se via em uma batalha da qual ele não sabia se sairia vivo. No entanto, apesar de tudo, Áquila não tinha medo. Era como se sua determinação tivesse retornado, era como se o seu espírito tivesse sido revivido. Ele sabia que teria de lutar por um motivo e o motivo era sobreviver.

Num momento de fúria, a voz de Áquila ecoou pelo ar, como num grito de guerra, e sua espada seguiu firme em direção do peito exposto da criatura que havia aberto os braços para um ataque. A lâmina resvalou nos pelos escuros da besta e teria perfurado a carne impura se não tivesse sido arremessada aos ares no último instante. Áquila viu um dos fortes braços da besta jogar sua espada para longe, arrancando-a de suas mãos. Num instante, o cavaleiro se viu desarmado; no próximo instante, ele se viu no chão, jogado pela besta que estava então acima dele. Áquila viu os olhos negros próximos aos seus e ouviu um rosnado raivoso perto de seus ouvidos; o bafo que exalava da boca da fera não era quente como ele imaginara, mas gelado e sobrenatural. O cavaleiro pôde sentir a morte de perto, até que algo os surpreendeu. A besta virou seu rosto de lobo para o lado ao sentir algo atingi-lo. Uma pedra havia sido atirada em sua cabeça por alguém do vilarejo. A criatura quase se viu cega de ódio ao olhar aquele ser insignificante, um simples camponês que havia saído de uma casa e então empunhava uma enxada para atacá-lo. O jovem ofegava com a corrente de adrenalina que percorria seu corpo, seus olhos brilhavam com intensidade quando ele bradou um grito de ódio e correu na direção do monstro com sua enxada em mãos. Aquilo havia distraído a fera que apenas teve tempo para ter mais um pensamento torpe de ódio antes de expressar um som horripilante de sua garganta. Áquila havia aproveitado a oportunidade para alcançar a sua espada e atravessar o pescoço da besta. O animal levou suas mãos até sua garganta em desespero, mas já era tarde demais, o golpe fatal havia sido desferido. A única coisa que o monstro pôde fazer foi agonizar em gritos abafados pelo sangue, num som que era pior do que qualquer coisa que Áquila jamais havia escutado.

Finalmente uns poucos camponeses tiveram coragem de sair de suas casas para observar a situação e recolher a moça que ainda estava em estado de choque. A besta jazia morta na praça da cidade.

- Um lobisomem – disse o camponês.

- O que é um lobisomem? – Áquila perguntou.

- Dizem que são homens amaldiçoados que em tempos passados praticaram os mais cruéis atos e suas almas se envenenaram tanto com a maldade que os transformaram em demônios.

Áquila olhou para o camponês com certa incredulidade, se não tivesse visto com seus próprios olhos, acharia que o rapaz estaria louco. – E por que ele atacou a vila?

- Ninguém sabe... Alguns dizem que algumas pessoas daqui têm feito algo de muito ruim, alguns deles teriam se envolvido com as artes do demônio e invocado ele aqui. Faz um mês que isso está acontecendo. Esse que você matou não é o único, eu vi outros, eu sei onde eles vivem.

- Você sabe? – Áquila perguntou mais uma vez com incredulidade.

- Depois dos primeiros ataques, os homens da vila se organizaram para ir atrás deles. Nós seguimos os rastros, os lobisomens têm um covil além das colinas. Nós estávamos chegando perto, eu tenho certeza.
- Mas vocês não chegaram lá, não é mesmo?

-Eles nos atacaram. Eu fui o único que sobreviveu... eu sempre corri muito rápido...

- Onde ficam essas colinas? – Áquila perguntou com determinação.

- Eu mostro para você.  – O camponês se virou na direção onde ficavam as colinas.

- Não – Áquila pôs a mão em um dos ombros do jovem para impedi-lo de seguir. – Você fica aqui.

- Mas eu quero ir com você.

- Escuta, qual é o seu nome?

- Renê.

- Renê, o que você é?

- Eu sou camponês.

- E por um acaso você sabe lutar?

- Eu lutei algumas vezes.

- Eu não estou falando de brigas entre moleques da vila, eu estou falando de luta de verdade. Você sabe quem eu sou?

- Você é um cavaleiro – Renê respondeu sem titubear.

- Exatamente. Eu fui criado para lutar, eu cresci lutando. Eu acabo de voltar de uma guerra. Eu sobrevivi a uma guerra.

- E qual o seu nome? – Renê perguntou.

- Meu nome é Áquila.

- Áquila, eu sobrevivi. Eu nasci na pobreza. Tinha vezes que a colheita não vingava. Tinha dias que eu não tinha o que comer. Eu tinha dois irmãos que morreram de fome num dos piores tempos que tivemos. Eu tive mais um irmão e uma irmã que morreram de doença. A gente não tem roupa boa para vestir, então passamos muito frio. Tem dias que eu achava que ia morrer de frio, mas eu sobrevivi. Eu estava na vila quando aconteceu o primeiro ataque dos lobisomens. Eu estava na vila quando aconteceu o segundo ataque. Eu estava junto do grupo que foi atrás dos lobisomens e sobrevivi. Eu sou conhecido como um dos homens mais corajosos desta vila. Eu sou tão digno quanto você para ir atrás deles. Eu sou tão digno quanto você para lutar.

- Renê, não é uma questão de ser digno. Você não está preparado – Áquila disse em tom de descontentamento.

- Como você pode dizer isso depois de tudo que eu falei da minha vida, depois de tudo que eu passei – Renê disse com indignação. - Esta é minha vila, este é meu lar. Eu não quero ver mais ninguém morrendo aqui.

- Minha resposta continua sendo não – disse Áquila com intolerância.

Foi então que a chuva começara a cair... e não havia mais parado mais desde então. Áquila viu Renê olhá-lo com uma expressão indescritível, mas não permaneceu para questioná-lo; o cavaleiro tirou sua espada do corpo sem vida do lobisomem e partiu em direção às colinas.

E foi isso que sucedera naquele dia antes de ele se encontrar mais uma vez em companhia do camponês teimoso. Áquila caminhou na direção dele e o levantou pelo colarinho. – Escuta aqui, eu não quero que você venha comigo, entendeu? – Logo em seguida, Áquila jogou Renê no chão e apontou a espada para o pescoço dele. – Você vai voltar para o vilarejo, porque eu não me misturo com gente como você.

Renê olhou para a ponta da espada e não ousou dizer mais nada. Porém não fez menção alguma de que voltaria.

Então Áquila o levantou novamente e o empurrou na direção do vilarejo, apontando em seguida a espada para ele. – Vá embora! – Áquila gritou.

- Eu salvei a sua vida! – Renê gritou.

- Eu não me importo – as palavras de Áquila soaram abafadas pela chuva.

Renê olhou novamente para a espada apontada para ele e finalmente se virou na direção do vilarejo, caminhando de volta sem dizer mais nenhuma palavra.

Áquila se certificou de que o camponês já não estava mais à vista para continuar em seu caminho. A chuva já não era mais tão forte no começo da noite e ele conseguia discernir melhor os arredores. Em dado momento ele chegou a uma área rochosa, de difícil acesso. Áquila procurou por algum caminho, algum local que parecesse possível para uma criatura como um lobisomem fazer de covil. Foi então que ele ouviu um barulho e rapidamente se escondeu por trás das rochas. Ele podia sentir uma daquelas criaturas por perto e quando seus instintos lhe disseram que era seguro, Áquila se atreveu a olhar. Ele viu as costas de um lobisomem à distância, subindo por um local entre as rochas. O cavaleiro continuou seguindo a criatura com o olhar e passou a segui-la ao que achava ser uma distância segura. Foi então que o lobisomem sumiu de suas vistas, porém, Áquila sabia que ele não estava longe. O cavaleiro olhou ao redor e visualizou um paredão que ele poderia escalar e que segundo os seus cálculos, poderia dar visão para o local por onde a besta passara e que talvez ainda estaria. Cuidadosamente, para não fazer barulho, Áquila passou a escalar as rochas e após um tempo se viu em uma área elevada que lhe dava uma boa visão geral da área. Ele pôde ver um local não muito distante que servia de abrigo para os lobisomens. Havia dois lá no momento, aparentemente descansando. Áquila sabia que não poderia agir até saber quantos deles realmente existiam na região e passou a aguardar pacientemente para ver se mais alguns deles apareciam. Foi então que um terceiro lobisomem adentrou no local que servia de covil. Ele trazia algo consigo, algo que era perturbadoramente parecido com um ser humano. Áquila se segurou para não ir até o local, ele sabia muito bem o que uma criatura daquelas pretendia fazer com o pobre homem. No entanto, o cavaleiro reparou que o homem que o lobisomem trazia estaria provavelmente morto pelo estado deplorável em que o corpo se encontrava; pela quantidade de golpes que ele recebera, o corpo estava todo contorcido e deformado.
O lobisomem levou sua vítima até o centro do covil e os outros dois lobisomens que já estavam lá se levantaram para chegar mais perto. Foi então que algo chamou a atenção de Áquila.

Renê! Ele se lembrou. Aquele ser com o corpo deformado pelo lobisomem se assemelhava muito ao do jovem camponês... e aquelas roupas maltrapilhas... pareciam as mesmas que Renê estava usando. Áquila segurou um grito antes que ele atravessasse sua garganta, o cavaleiro acabara de ver os lobisomens segurarem as pernas e braços do cadáver e puxarem até que os membros fossem arrancados. As bestas começaram a devorar a carne do homem e por um momento deixaram a parte principal do corpo de lado, provavelmente para comer logo depois. Foi então que Áquila teve uma visão melhor do rosto do homem. Ele viu mais uma vez aqueles olhos o encararem naquele dia, mas eles já estavam sem vida. Enquanto Áquila presenciava a cena sem poder fazer nada, sua mente se concentrava em arquitetar um plano para acabar de vez com todas aquelas criaturas malditas. E ele tinha certeza de que os lobisomens pagariam caro...

FIM

Notas: Eu sei que algumas pessoas gostam de lobisomens e eu queria deixar claro que eu não tenho nada contra eles xD Eu apenas quis representá-los desse jeito para o meu conto. É apenas uma das possíveis interpretações para estes seres que tanto povoam o imaginário humano :) Eu tive a ideia para este conto com uma cena que presenciei na rua. Qualquer outra pessoa poderia achar que era um acontecimento mundano, mas eu já imaginei uma história xD Era um dia de muita chuva e eu vi um jovem homem com uma aparência realmente distinta: ele era alto, possuía um corpo bem balanceado e feições muito bem feitas, parecia um daqueles modelos ou atores que vemos em filmes de heróis. Ele estava com um terno preto muito bonito. O que chamava mais ainda a atenção era o jeito que ele andava a passos muito largos e com passadas fortes, seu rosto expressava raiva e ele parecia não se importar com o seu terno tão bonito se molhando daquele jeito na forte chuva. Logo em seguida eu vi um rapaz que era um contraste àquele primeiro homem. Ele era pequeno e magro e estava com um moletom de capuz. O rapaz estava com os braços cruzados à frente do peito e encolhido por andar no frio e na chuva. Foi então que eu tive a ideia para a história. Por favor, peço que digam o que acharam. Isso é muito importante para saber se estou no caminho certo ou não. Para voltar ao meu site: claudiapublicidade.wix.com/claudiaminaescritora

domingo, 6 de outubro de 2013

Meu site!

Deu trabalho, mas finalmente criei o meu site! É nele onde estão as informações mais completas sobre a minha carreira como escritora, meus projetos, meus contos e meus contatos:


Claudia Mina - Escritora

http://claudiapublicidade.wix.com/claudiaminaescritora


Aproveito também para divulgar minha página no Facebook:

https://www.facebook.com/claudiaminaescritora

Meu perfil pessoal no Facebook:
https://www.facebook.com/claudia.nikolaevamiyamoto

Meu Twitter:

https://twitter.com/ClaudiaMin4

E meu perfil no AnimeSpirit:

http://animespirit.net.br/claudia_mina


Desculpem-me, eu fiquei aqui tentando inserir os links neste blog e não deu certo =\

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meu Primeiro Conto Publicado - Especial (conto número 5)

Sinopse: Um perito criminal que em certa noite encontra uma linda e misteriosa mulher...

Notas: Este seria o meu conto número 5 (eu identifico as minhas ideias para diferentes contos por números, pela ordem em que as ideias vão surgindo), mas será o primeiro a ser publicado por ser o primeiro a ter sido finalizado xD Meus outros contos ainda estão em processo de serem escritos ou revisados. Confesso que estou muito nervosa com a reação das pessoas e peço que considerem que este é apenas um começo. É uma experiência, um treinamento para que eu possa aprimorar minhas histórias com o tempo. Gostaria muito que me dessem uma opinião a respeito do texto e me perdoem por algum eventual erro de gramática. Apesar de eu ter feito uma revisão, sempre há possibilidade de algum erro ter escapado.

Especial

Por Claudia Mina

Eu ficara até o escurecer analisando as pistas; solucionar os mistérios de crimes fazia parte da minha rotina, mas por algum motivo, aquele caso me intrigava mais que os outros. De repente, algo surgiu em minha mente como um estalo luminoso.

- O assassino pode ser uma mulher!

Aquela era uma ideia realmente intrigante. Não era incomum que mulheres cometessem crimes, mas assassinatos em série... aquilo era realmente raro. No entanto, aquela hipótese poderia explicar uma sutil diferença de estilo, uma certa “elegância” ao matar, por não achar um termo melhor. No local dos crimes não havia nenhum sinal de violência; as vítimas não pareciam ter reagido. Porém, havia um padrão, as vítimas eram sempre homens entre 25 e 35 anos, solteiros, entre 1,78 e 1,83, de 70 a 80 quilos, cabelos curtos, castanho claro. Ri com bom humor após me relembrar das características.

- Poderia ser eu!

Bom, já era hora de ir embora. Eu sabia quando chegava o momento em que eu não conseguiria mais estudar o caso com clareza e eu precisaria descansar. Guardei minhas coisas e meus óculos, peguei minha mochila e fui embora para casa. No meio do caminho, porém, deparei-me com um bar. Fazia algum tempo que não frequentava aqueles locais, que faziam parte de uma vida de universitário que não existia mais. Não sei por que, resolvi entrar e me sentar ao balcão.

Antes que eu pudesse fazer meu pedido, percebi que uma jovem se aproximava de mim e por alguns instantes, esqueci completamente quem eu era e onde eu estava. Cabelos negros lisos, olhar penetrante e vestido vermelho, era a mulher mais linda que eu havia visto na vida. Meu coração disparou quando ela sorriu para mim e sentou-se ao meu lado. Minhas mãos tremiam e eu me sentia como um tímido adolescente outra vez. Olhei para ela novamente e ela sorriu de novo, não sei como, mas consegui puxar conversa. Meu nervosismo de antes foi aos poucos indo embora e eu já conversava com ela com naturalidade, como se nos conhecêssemos há muito tempo. Pensava comigo mesmo que sempre vivi minha vida despreocupado, divertindo-me sem fazer planos e nunca me preocupara muito com relacionamentos sérios. Naquele momento, porém, lembrei de que se um dia eu achasse alguém especial, não haveria outras mulheres para mim, aquela seria a mulher da minha vida.

No final da noite ela se despediu de mim com um sorriso, aquele sorriso lindo, aquele sorriso meigo e divertido, deixou o número de telefone e disse para eu ligar.

Com um pouco de nervosismo liguei para ela... para então descobrir que aquele número não existia. Fiquei intrigado, não acreditei que a moça havia passado o número errado se ela parecia querer me ver novamente. Então, decidi que eu iria achá-la de qualquer jeito. Resolvi procurá-la da mesma maneira que fazia quando investigava um crime, não deveria ser tão difícil encontrá-la... Contudo, surpreendi-me após uma semana de que eu não fazia a menor ideia de onde ela poderia estar.

Na noite de quarta-feira, sai do meu trabalho chateado, não havia descoberto o paradeiro da minha adorada, nem do assassino em série. Quarta-feira era o dia em que o assassino agia; na manhã seguinte eu teria notícia de mais um corpo encontrado, porém, confesso que o que mais me afligia era não poder ver aquela jovem que eu havia encontrado no bar.

As ruas estavam desertas, pois já eram altas horas da noite. Não havia ninguém por perto quando comecei a atravessar a ponte que se arqueava sobre o rio mais famoso da cidade. Quando estava quase chegando ao outro lado, comecei a ouvir passos ecoando pela noite silenciosa. Pelo som, parecia ser um par de um calçado de salto alto me seguindo. Virei-me para trás intrigado e qual não foi minha surpresa quando vi quem eu procurara todos esses dias do outro lado da ponte. Meu coração se acelerou, ela estava então com um vestido preto e um sorriso no rosto.

- Tenho uma surpresa para você – ela disse.

Deixei que ela se aproximasse de mim e quando ela chegou bem perto, vi que ela escondia algo que segurava com suas mãos por trás de suas costas. Em um movimento rápido, ela trouxe o que segurava à frente do seu corpo e me mostrou o que tanto escondia.

- Para você – ela disse.

Eu tomei o buquê de flores em minhas mãos e comecei a rir.

- Não gostou do presente? – ela perguntou com bom humor.

- Eu gostei do presente – pausei um pouco para tomar fôlego – é que eu nunca havia recebido flores de uma mulher.

- Você gostou?

- Claro que gostei – eu disse com bom humor.

- Eu tenho algo pra mostrar para você, você gostaria de ver?

- Claro que sim!

- Não está aqui, está no meu apartamento. Quer vir comigo?

É claro que aceitei—aquele não era o tipo de convite para se recusar. Após caminhar por alguns minutos pelas ruas escuras, chegamos a um prédio antigo. Subimos as escadas até o terceiro andar e quando ela abriu a porta, meus olhos se surpreenderam com a cena.

- Era isso que eu queria mostrar – ela disse.

Entrei na sala e ela fechou a porta.

Todas as paredes do apartamento estavam cobertas por desenhos, todos lindos e perfeitos. Havia pessoas de todas as idades em cenas do cotidiano, andando na praça, fazendo compras, jogando, brincando, trabalhando. Nunca antes eu havia visto traços de tanta perfeição, era como se as pessoas pudessem sair dos quadros vivas. Andando um pouco mais pelo apartamento, surpreendi-me ao me ver. Lá estava eu em grafite sentado ao bar.

- Mas como...?

Pelo jeito que as pessoas eram desenhadas com tantos detalhes, parecia que elas haviam posado para os quadros, mas eu tinha certeza de que não vi a jovem tirar nenhuma foto minha ou pegar algum caderno de desenho para esboçar meus traços.

- Eu tenho memória fotográfica – ela explicou. – Só vejo uma pessoa por alguns instantes e lembro de tudo. Lembro de todas as feições, das roupas, de tudo.

- É realmente um talento especial – eu disse com admiração.

Eu passei a noite com ela e ao amanhecer eu tive certeza de que aquela era a mulher da minha vida, aquela era a mulher mais maravilhosa do mundo.

Quando cheguei ao meu trabalho, surpreendi-me ao tomar conhecimento de que nenhum corpo fora encontrado até então. E nenhum corpo fora encontrado naquela semana. Aquilo me deixara intrigado, o assassino estaria tentando dar um tempo, despistar as investigações?

Continuei estudando o caso naquela semana, sem encontrar nada que me ajudasse a solucioná-lo.

Era uma quarta-feira quando saí do meu trabalho e fui me encontrar com a minha jovem adorada. No dia anterior ela dissera que tinha algo para me dizer num lugar especial. Fui caminhando ao local que ela indicara e percebi que estava debaixo da ponte, ao lado do rio. Realmente não parecia um lugar muito bonito, mas resolvi deixar aquele pensamento de lado, se ela queria se encontrar comigo lá... Vi alguns navios passando ao longe e as luzes da cidade enquanto esperava. Eu não sabia o que, mas havia algo que me intrigava naquele local... Foi quando ela apareceu de batom vermelho, vestindo um sobretudo escuro. Num momento repentino, uma constatação se revelou como um flash de luz na minha mente. Aquele era o local onde o primeiro corpo havia sido encontrado. Aquele era o local do primeiro assassinato.

Não havia um sorriso no rosto da jovem quando ela falou comigo num tom sério.

- Por todo esse tempo eu procurei por alguém especial e finalmente eu encontrei – ela disse emocionada.

Assustado enquanto ela se aproximava de mim, agradeci em silêncio por sempre carregar a minha arma comigo... Porém, não precisei usá-la.

FIM



Notas: Neste conto, o personagem principal é um homem que se dá conta de que por toda a vida esteve à procura de alguém especial. O ponto que eu queria retratar era se uma suposta assassina, que comete crimes friamente, no fundo também não estaria em busca de alguém especial xD Como puderam perceber, é um texto mais “light”, procurei escrever de uma maneira mais descontraída, sem toda a tensão que uma história sobre um assunto poderia ter. Posso dizer que este é um texto relativamente bem-humorado. Por favor, peço para que deixem seus comentários. Muito obrigada por terem lido.